A matéria do Estadão Crianças pequenas aprendem segundo idioma em casa, publicada em setembro de 2010 fala sobre como há algumas décadas, pais preocupados com a formação dos filhos matriculavam as crianças em escolas de inglês ou francês.
Até que os cursos passaram a ser insuficientes, e o esforço se concentrou em enviá-los para intercâmbios nos Estados Unidos ou na Europa. Agora, em nome de uma boa formação futura, famílias contratam professores de idiomas para ensinar, em casa, crianças a partir de 1 ano.
Oi de Arthur
Arthur Feldman, de 5 anos, vive uma experiência trilíngue desde que tinha 1 ano e meio. Hoje, ele cumprimenta o pai com um hello. Para a mãe, ele solta um “oi” e para a “tia” Sandra, nihao. Apesar de ser filho de brasileiros, o garoto ouve desde bebê o pai falar em inglês e, desde o primeiro ano de vida, tem uma professora de chinês.
“É a língua do futuro, uma forma de prepará-lo melhor para os desafios que vai encontrar quando ficar adulto”, argumenta o pai, o médico Alexandre Feldman.
Toda semana, Sandra Chiu, de 58 anos, professora de Taiwan emigrada para o Brasil, brinca com o menino, ensinando mandarim duas vezes por semana por duas a três horas. Segundo a mãe, Patrícia, o aprendizado para ele é um prazer. “Fomos à Disney e vi que ele aproveitou muito as brincadeiras. Também gosta de assistir a DVDs infantis em chinês.”
Hello de Yuki
Na casa de Olivia Yuki Yamamuro, de 4 anos, a visita da professora de inglês Arthemis Whitaker acontece uma vez por semana, durante uma hora – ocupada principalmente por brincadeiras em inglês.
Segundo a mãe, Janaína Xavier, a menina às vezes fazia de conta que estava falando inglês. Estava aí o motivo para decidir colocar o idioma no cotidiano da filha.
“Ela tem um coleguinha cuja mãe é australiana e também assiste a desenhos animados, que introduzem palavras estrangeiras para os pequenos”, diz Janaína. Ela defende o ensino precoce: “Talvez se o inglês tivesse sido apresentado de uma forma melhor para mim na infância, eu não teria dificuldade.”
Cada dia mais cedo
A preocupação dos pais de Arthur e Olivia de que o primeiro contato com uma língua estrangeira ocorra o mais cedo possível e de forma lúdica tem sido compartilhada com vários outros pais, a maioria moradores de capitais como São Paulo e Rio. O maior objetivo dessas famílias é preparar os filhos para enfrentarem um mercado de trabalho extremamente competitivo no futuro.
O movimento cresceu tanto que existem escolas especializadas neste tipo de ensino de idiomas. Um exemplo é a Escola Juan Uribe, em São Paulo, que se dedica a ensinar inglês para crianças de 2 a 12 anos. “Começamos, para ganhar a confiança, com relaxamento, depois vamos para aquecimento e o uso da criatividade com livros gigantes, caleidoscópio, fantoches, brinquedos da própria criança e brincadeiras que ela inventa, respeitando seu tempo“, explica o professor Juan Uribe.
Ambiente doméstico. Outra tendência do aprendizado precoce é que o estudo pode acontecer em casa – fato que os pais veem como vantagem pela economia de tempo e deslocamento. “Na casa, é necessário criar um ambiente pedagógico que não existe, mas lá também há muitas informações sobre a criança e isso ajuda muito o professor a entrar no mundo dela”, afirma Uribe. Metade dos 170 alunos de sua escola tem aula, particular ou em grupo, nas residências.
No caso da professora Arthemis, que nunca tinha dado aulas para crianças tão pequenas, foi necessário fazer uma formação especial – e até mesmo recorrer à sua mãe para pegar dicas sobre como lidar melhor com o mundo dos pequenos, na própria casa deles. “Foi uma experiência nova, uma tentativa misturando os 15 anos de aulas e convivência com minha sobrinha”, conta.
Segundo ela, para que o processo funcione com crianças tão pequenas e no ambiente familiar é essencial que os pais participem e ofereçam materiais para a aula, como brinquedos e livros. “A maior recompensa é ver a criança usando o que você ensinou”, completa. Em suas aulas, ela costuma brincar de bonecas com os alunos, preparam um bolo com bolas de gude, montam jogos.
Em geral, o aprendizado da criança passa por várias fases. Primeiro, há um período silencioso, em que ela ouve, mas ainda não se sente segura para falar. Em seguida, ela mistura as duas línguas, passa a usar uma linguagem “telegráfica” e, aos poucos, consegue montar um discurso com frases. Só então aprende conexões entre frases e musicalidade.
Expectativas
Expectativa. “Eu só esperava que elas falassem inglês melhor que eu”, diz Adriana de Castro Pinto, de 42 anos, administradora de empresas. Suas duas filhas mais velhas começaram no ensino tradicional, mas logo mudaram, aos 8 anos, para o método de ensino em casa.
Maria Fernanda, de 14 anos, e Maria Marta, de 13 anos, já fizeram intercâmbio juntas e, depois de encerrarem o ensino doméstico, precisaram apenas de um ano para completar o curso avançado na escola tradicional e prestar exames de proficiência em inglês. “Os pais ficam com muita expectativa, pois pode demorar para o filho começar a falar, mas ele está entendendo e de repente começa”, diz Adriana.
Olivia Yamamuro não responde ainda em inglês, mas canta sozinha na língua estrangeira e surpreendeu sua mãe ao entender um trecho de seriado que estava assistindo. “Vai ser útil algum dia. Meu objetivo não é que ela seja fluente. Ensino formal será quando ela for mais velha”, diz Janaína
Vantagens
Por volta dos 3 anos, o cérebro da criança está em ótima fase para aprender idiomas. E aprender brincando torna o ensino e a relação com a língua mais agradáveis. Para os pais, é mais prático chamar um professor em casa.
O aprendizado é facilitado se o ensino é feito a partir do que é útil para a criança se comunicar e da forma em que o idioma materno é aprendido: pela prática em situações
concretas e cotidianas.
Por outro lado, a criança perde tempo em que poderia brincar livremente, o que é muito importante para seu desenvolvimento. E, se os pais não têm contato com o idioma ou não estimulam o convívio com ele em outros momentos, o aprendizado pode ser perdido. Além disso, em casa ela perde convívio com outras crianças.
Atenção
Se o tempo da criança não for respeitado, ela pode criar uma antipatia à língua que pode prejudicar seus estudos futuros.